Enquanto milhares de presos em todo o país enfrentam celas superlotadas, banheiros precários e racionamento de água, um grupo seleto dentro da Penitenciária Lemos Brito (PLB), em Salvador, desfrutava de condições dignas de hotel cinco estrelas. A revelação, confirmada por vídeos e relatórios oficiais da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), caiu como uma bomba no já frágil sistema carcerário da Bahia.
A cela, localizada no Módulo V da unidade, era ocupada por integrantes do Bonde do Maluco (BDM), uma das facções mais influentes do estado. No local, foram encontrados uísque importado (como Chivas Royal Salute), perfumes de grife, televisão, ventiladores, espelhos (proibidos em unidades prisionais), camas personalizadas e até um banheiro privativo com piso de cerâmica, vaso sanitário e chuveiro um privilégio inexistente para a esmagadora maioria dos detentos.
A descoberta ocorreu durante uma revista feita pela polícia após a fuga cinematográfica de sete presos, em outubro de 2023, por meio de um túnel escavado no mesmo módulo. Um dos fugitivos era Fábio Souza dos Santos, o "Geleia", liderança do BDM e um dos criminosos mais procurados do estado, retratado no baralho do crime da SSP-BA como a carta "Oito de Ouros".
Um presídio de dois mundos
A cela vip contrasta com a realidade da Lemos Brito, que operava, até junho deste ano, com 1.427 detentos em um espaço projetado para 878 um excedente de quase 550 internos. A superlotação e a falta de recursos são queixas recorrentes de familiares e advogados, que agora se perguntam: como uma cela tão luxuosa pôde existir por tanto tempo sem que nada fosse feito?
“É uma afronta. Enquanto meu filho dorme no chão e divide uma privada com vinte pessoas, outros tomam uísque e se perfumam com 1 Million?”, desabafa Maria das Dores, mãe de um interno da unidade.
Seap se defende e aponta antiga gestão
A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia informou, por nota, que os privilégios ocorreram durante gestões anteriores, e que desde a posse do atual secretário, José Castro, medidas rigorosas de inspeção e combate a regalias vêm sendo aplicadas. A Seap afirma realizar “visitas quase semanais” aos módulos e instaurou um procedimento interno para apurar responsabilidades.
Investigação do Draco mira servidores
A delegada Larissa Laje, do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), conduz o inquérito sobre o caso. Servidores da Seap e diretores da penitenciária já foram ouvidos. A principal linha de investigação aponta para conivência e possível corrupção de agentes públicos no favorecimento a líderes da facção.
Especialistas em segurança pública afirmam que o episódio não é isolado. “A influência de facções dentro dos presídios baianos é antiga, mas o nível de conforto revelado agora é um escândalo inédito. Isso não acontece sem omissão institucional”, avalia o sociólogo e pesquisador do sistema carcerário Rafael Guimarães.
MP pode entrar com ação contra o Estado
Diante da repercussão, o Ministério Público da Bahia estuda abrir uma ação civil pública por improbidade administrativa e falhas estruturais no sistema penitenciário. “É inaceitável que presos ostentem regalias enquanto a maioria vive em condições subumanas. O Estado precisa ser responsabilizado”, afirma a promotora Naira Barreto.
O que vem agora?
Com a denúncia pública, a pressão por reformas e responsabilizações aumenta. A sociedade civil cobra mais transparência, o Ministério Público promete agir, e a Seap se vê obrigada a revisar seus protocolos. Enquanto isso, a cela do luxo foi esvaziada, os itens recolhidos, mas as perguntas permanecem:
Quem autorizou? Por que durou tanto? E quantos outros 'hotéis' ainda estão escondidos atrás das grades?

