Nas cidades de Simões Filho, Amargosa e Itapetinga, a Bahia concentra os únicos três frigoríficos autorizados a abater jumentos no Brasil, uma prática extrativista que já dizimou 94% da população desses animais no Nordeste. Com a pressão de uma força-tarefa internacional, tramita na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) o Projeto de Lei nº 24.465/2022, que pode proibir definitivamente o abate desses animais. Desde 2018, mais de 248 mil jumentos foram mortos para exportar a pele desses animais para a produção do ejiao, um colágeno utilizado pela medicina tradicional chinesa.
O jumento brasileiro é uma espécie única no mundo e corre risco real de extinção. A organização britânica The Donkey Sanctuary, sediada perto de Sidmouth, na Inglaterra, foi fundada em 1969 e é uma das maiores instituições de caridade dedicadas ao bem-estar dos jumentos, liderando a campanha contra o abate no Brasil.
Patrícia Tatemoto, pós-doutora em Medicina Veterinária pela USP e coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil, reforça que a extinção dos jumentos nordestinos representa uma perda irreparável. "No Brasil, eles já são considerados um recurso genético. Isso significa que o genoma do jumento ocorre só aqui, ele é único, e conforme os abates avançam, a gente perde esse patrimônio".
Segundo ela, os jumentos têm papel histórico, ecológico e econômico. "O jumento nordestino foi retratado na cultura e no imaginário popular brasileiro. Tem estudos que mostram sua importância para o equilíbrio ecológico em ecossistemas nativos. Além disso, comunidades ainda dependem deles, como na produção de sisal e cacau, e cada vez mais os jumentos vêm sendo adotados como animais de companhia".
A médica também destaca a forma como os abates têm ocorrido. Os jumentos são trazidos de várias regiões do Nordeste para a Bahia e, segundo relatos documentados pelo Ministério Público, enfrentam transporte em condições precárias, sem água, comida ou atendimento veterinário. "Muitos morrem antes mesmo de chegar aos abatedouros. Isso configura maus-tratos, conforme a legislação ambiental brasileira. E, pior: é uma atividade extrativista, sem qualquer cadeia produtiva estruturada ou fazendas de criação".
A fermentação de precisão, técnica biotecnológica que permite a produção de colágeno em laboratório, sem a necessidade de matar animais. "Já usamos isso para produzir insulina. O Brasil pode estar na vanguarda da produção de proteínas alternativas. Isso evitaria os riscos sanitários, ambientais e reputacionais de um abate que não tem rastreabilidade, e abriria um novo mercado mais ético, seguro e sustentável".
O PL 24.465/2022, de autoria do deputado José de Arimatéia (Republicanos-BA), já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da ALBA, mas recebeu parecer contrário na Comissão de Agricultura, sob argumento de que seria inconstitucional por afetar o livre comércio. A interpretação foi criticada por 27 entidades que assinam uma carta de repúdio, destacando que a Constituição Federal proíbe atividades econômicas que ameacem espécies em risco de extinção.
Gislane Brandão, coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, criada em 2016, também alerta para a urgência da aprovação da lei. "Estamos lutando contra esse abate extrativista que já findou com 94% dos jumentos nordestinos. Temos uma Ação Civil Pública em andamento, já conseguimos uma liminar judicial e seguimos mobilizando os deputados para que o PL seja aprovado em plenário".
A campanha Stop the Slaughter – Parem o Abate, promovida pela The Donkey Sanctuary, será lançada oficialmente durante um seminário internacional em Maceió (AL), que se inicia hoje e vai até sábado, 28. A iniciativa também busca apoio popular: no site www.fimdoabate.com.br, é possível enviar uma carta aos parlamentares da Alba. Já no site da Câmara dos Deputados, cidadãos podem votar na enquete sobre o PL 2387/2022, que propõe banir o abate de jumentos em todo o país.
Fonte: A Tarde

