Um surto silencioso e devastador atinge criadores de cavalos em diversas regiões do país. Em Guarulhos (SP), nove animais da chácara Dia de Sol morreram em apenas dois meses após consumirem ração da empresa Nutratta Nutrição Animal Ltda.. Os sintomas assustaram até os tutores mais experientes: cavalos desorientados, andando em círculos, tentando morder paredes — como se estivessem em surto. "É como se fosse uma demência", disse o criador Marcos Barbosa ao g1.
O caso de Guarulhos é apenas um entre muitos. Desde abril, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) recebeu dezenas de denúncias e, no dia 17 de junho, determinou o recolhimento nacional de todos os produtos da Nutratta destinados a equídeos, fabricados a partir de novembro de 2024. As vendas também foram suspensas. A razão? A presença de monocrotalina, uma toxina natural altamente letal para cavalos, encontrada em plantas do gênero Crotalaria, usadas como adubo verde.
As análises laboratoriais confirmaram a ligação entre o consumo da ração e os casos de morte. Segundo a advogada Alessandra Agarussi, que representa vítimas do caso, já são 645 cavalos mortos em seis estados — incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Alagoas e Bahia (onde há 40 mortes registradas). Outros 368 animais seguem em tratamento e 199 estão sob observação.
Além das perdas emocionais, os prejuízos financeiros são gigantescos. Barbosa estima que só ele perdeu cerca de R$ 700 mil. Criadores relataram que os animais mortos iam de mestiços sem registro até cavalos de alto valor, alguns avaliados em mais de R$ 2 milhões.
A veterinária Marcella Batista, que também perdeu dois animais, explica que não há cura para a intoxicação. "Só existe tratamento de suporte com soro e antitóxicos. Muitos acabam sendo sacrificados por causa do sofrimento", afirma.
O Mapa ainda identificou falhas graves no processo de fabricação da Nutratta, como uso de ingredientes proibidos, ausência de controle de qualidade e falta de rastreabilidade nos lotes — o que impede saber exatamente quais estão contaminados. A empresa afirma que ainda não há comprovação definitiva da responsabilidade direta dos seus produtos, mas conseguiu liminar para continuar operando com itens que não sejam destinados a cavalos.
O caso segue sob investigação. O Ministério Público de São Paulo já abriu apuração preliminar e a empresa terá 20 dias para apresentar defesa. O Mapa, até o momento da última atualização, não respondeu.
Enquanto isso, tutores, criadores e veterinários seguem lidando com perdas irreparáveis — e a incerteza sobre até onde vai o alcance desse que já é considerado o maior caso de contaminação animal por ração da história recente do Brasil.

