Desmatamento em Salvador expõe contradições entre progresso urbano e preservação ambiental
Enquanto Salvador se reinventa com obras de mobilidade, requalificações urbanas e novos empreendimentos imobiliários, um drama silencioso se espalha pelas matas remanescentes da cidade: o desmatamento. Dados recentes e denúncias de moradores revelam uma escalada preocupante da perda de cobertura vegetal, atingindo áreas emblemáticas como o Parque de Pituaçu, o Vale Encantado e manguezais da orla atlântica.
Cortes, podas e ciclovias: Pituaçu sob intervenção
O Parque Metropolitano de Pituaçu, um dos maiores refúgios ecológicos da capital baiana, está no centro de um debate acalorado. Desde o final de 2024, obras de requalificação autorizadas pelo governo estadual vêm promovendo a abertura de acessos, podas severas e supressão de vegetação nativa para implantação de ciclovias, bicicletários e calçadas.
Embora o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) afirme que os impactos são controlados e temporários, ambientalistas e frequentadores relatam o contrário: “Está virando um parque de concreto. A natureza está sendo sufocada aos poucos”, afirmou João Nascimento, morador de Boca do Rio.
Mata atlântica perdida em Patamares
Outro ponto crítico está em Patamares, onde uma construtora foi flagrada desmatando mais de 21 mil metros quadrados de mata atlântica protegida. Mesmo com multas aplicadas e embargos judiciais, as máquinas continuaram a operar, e o local ainda sofreu incêndios suspeitos no fim de 2023. O que era um santuário verde, o Vale Encantado, hoje é uma área devastada e ameaçada por especulação imobiliária.
Urbanização avança sobre áreas verdes
Especialistas alertam que o crescimento desordenado da cidade, impulsionado pela construção de condomínios e espigões, ameaça ao menos 100 hectares de vegetação nativa, sobretudo nas regiões costeiras como Jaguaribe, Stella Maris e Itapuã. Manguezais, restingas e zonas de amortecimento de rios estão na mira de empreendimentos que priorizam vista para o mar, não sustentabilidade.
A própria obra do BRT em Salvador já foi alvo de críticas e ações por alterar cursos de rios urbanos e promover o corte de árvores em larga escala, mesmo em zonas sensíveis.
Entre ações e omissões
A Prefeitura de Salvador tenta reagir. Em 2024, lançou a “Operação Plantio Chuva”, com a promessa de plantar 10 mil mudas de espécies nativas e ampliar corredores ecológicos. Mas críticos afirmam que o ritmo de recomposição está muito aquém da velocidade da degradação.
O município também amarga um dos piores índices de arborização urbana entre capitais brasileiras: apenas 36,5% das ruas possuem cobertura vegetal, número inferior à média nacional.
Desenvolvimento a qualquer custo?
A paisagem que se desenha em Salvador é paradoxal: por um lado, modernização, mobilidade e investimentos; por outro, perda de identidade ecológica, impacto em comunidades tradicionais e colapso silencioso da biodiversidade urbana.
A pergunta que ecoa entre ativistas, urbanistas e moradores é direta: qual é o custo real do progresso?

